Ismael Moreno Sj

Texto traducido al portugués


“Nesses oito dias que seguem, vou imaginar que Juan está fazendo seus
Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loyola, como estava em seu plano”.
Assim Thelma se consolou, dizendo para si mesma, enquanto caminhava
pensativa ao lado de suas filhas Cláudia e Júlia, atrás do caixão de seu marido,
na lenta marcha fúnebre sob o sol escaldante de Tocoa, Colón, na tarde de
segunda-feira, 16 de setembro, acompanhada por gritos e palavras de ordem
e indignação das centenas de pessoas que se reuniram não apenas para se
despedir de Juan López, mas também para dizer sim à continuidade da luta
que ele liderou junto a muitas pessoas comprometidas com a defesa do meio
ambiente, da terra e dos direitos humanos.

Misa en honor a Juan López, Missa em homenagem a Juan López, presidida pelo Bispo Jenri Ruíz.
Fotografia: Rádio Progresso.

Na Fabio Ochoa

Seu assassinato, milimetricamente planejado, ocorreu depois das oito da noite do dia 14 de setembro de 2024, quando Juan havia saído da capela de sua comunidade Fabio Ochoa, uma comunidade que nasceu de uma ocupação de terras em meados da década de 90, promovida por camponeses e moradores sem terras, todos motivados pela fé e pelo seu vínculo com a Igreja Católica. O nome se deve a dom Fabio Ochoa, líder sindical do SITRAINA (Organização que luta pelo bem-estar dos trabalhadores do Instituto Nacional Agrário), que liderou essa luta em 1997, enquanto lançava sua candidatura a deputado pelo Partido Unificação Democrática, uma organização partidária fundada por exilados de esquerda que retornaram sob a anistia decretada no início dos anos noventa, pelo governo de Rafael Leonardo Callejas.

Carlos Escaleras, defensor do meio ambiente, também pertencia a este partido. Ele era candidato a prefeito do município de Tocoa quando foi assassinado em outubro de 1997, um mês antes das eleições, da mesma forma que Juan havia oficializado sua candidatura a prefeito por uma corrente do partido LIBRE. Dom Fabio Ochoa também liderou a demanda de centenas de ex-trabalhadores da plantação de bananas Standard Fruit Co., vítimas do Nemagón, substância química com a qual borrifavam as plantas de banana, resultando em doenças como câncer e outros danos à vida dos trabalhadores. Como resultado dessa luta e de sua trajetória sindical e agrária, Fabio Ochoa foi alvo de um atentado do qual sobreviveu, mas ficou com incapacidades físicas que o impedem de se locomover normalmente. Nesta região do Aguán, não é fácil identificar uma liderança local que questione os poderes tradicionais que consiga sobreviver para contar sua história ou manter suas capacidades físicas para continuar a luta.

A família de Juan, juntamente com dezenas de outras famílias da Igreja, foi beneficiária dessa recuperação de terras urbanas e, desde o final do século passado, vive e organiza sua vida com base na solidariedade comunitária e na experiência das comunidades eclesiais de base. Com a iluminação e persistência de Juan, a maioria das famílias decidiu se estabelecer na comunidade sem abrir mão de sua pequena propriedade, conquistada através de uma tenaz luta comunitária.

Juan era um amante da leitura e da poesia. Fotografia da web.

O último minuto

Juan entrou no carro, junto com sua esposa Thelma e suas filhas Cláudia e Júlia. Logo depois, sua vizinha também entrou, mas Juan não deu a partida no veículo porque seu compadre ainda estava fechando a porta da capela. Sua comadre queria sair logo, pois estavam indo para sua casa e ela precisava preparar a massa para amassar as tortillas de farinha para as baleadas (comida típica hondurenha). Naquela noite, Juan e sua família jantariam baleadas com seus compadres, como costumava acontecer com certa frequência. Eles precisavam dormir cedo, não só pelo cansaço de Juan, que vinha de uma semana agitada percorrendo o vale de Sula e até o oeste do país, acompanhando seu bispo Jenri Ruiz, mas também porque no dia seguinte, domingo 15 de setembro, ele tinha que acompanhar sua filha Julia, de nove anos, cheia de emoção para o desfile tradicional, com seu vestido novo e seus sapatos de estreia. Era 15 de setembro, e ele não podia deixar de se bronzear assistindo ao desfile da mais nova de suas duas filhas.

Julita conta que viu um homem com capacete de moto parado, sem entrar na capela. Após terminar sua pregação, seu pai se aproximou dela. “Meu amor, aconteça o que acontecer, eu sempre vou te amar”, disse ele. E Juan voltou ao altar para as orações de encerramento da celebração da Palavra. Julita sempre respondia com um beijo e o habitual “te amo”. Naquele momento, ela não respondeu, franziu a testa, como quando reclamava ao pai por demorar tantos dias para voltar para casa. Desta vez, ela ficou em silêncio, sua expressão ficou séria, e seu olhar seguiu os passos de seu pai enquanto ele retornava ao altar. E Julita era assim: quando não entendia as coisas, se calava.

Poucos anos antes, em 2019, ela ouviu seu pai discutir com sua mãe, Thelma, se ele deveria ou não se entregar à justiça. Sua mãe pediu, implorou para que ele não o fizesse, pois não confiava nos promotores nem nos juízes. “Você vai ficar preso, – sentenciou ela – e depois ninguém vai poder te tirar de lá.” Julita ouviu, mas não disse nada. Juan decidiu se entregar, e sua liderança levou os outros companheiros a fazerem o mesmo. A decisão da justiça foi, como Thelma temia, mantê-los presos por um tempo indeterminado. A decisão da solidariedade, no entanto, foi imensa, e eles não podiam ficar presos indefinidamente. E naquela ocasião, a solidariedade venceu. Com sua inocência, a menina disse ao pai com simplicidade: “Se eu tivesse pedido para você não ir para a prisão, você teria me obedecido”. Mas ela não pediu. Assim como naquela ocasião de pressentimentos logo antes de sua morte. Talvez ela pudesse ter dito: “Papai, se você disse que sempre me amaria, então eu te peço para não sair daqui, tem um homem feio lá fora”. Mas, assim como quando Juan decidiu se entregar à justiça injusta, Julita ficou em silêncio.

Juan demorou a ligar o carro, até que seu compadre entrou após fechar a porta do pequena igreja católica. Assim que ele entrou, Thelma viu um homem com capacete e máscara preta se aproximando. Juan também o viu, e antes que ele chegasse à porta do lado de Thelma, perguntou quem era aquele homem. Como se não suspeitasse que aqueles eram os últimos momentos de sua vida, Juan apertou o botão do lado esquerdo de sua porta que automaticamente abaixava o vidro da janela onde o homem, que Julita havia visto minutos antes, estava parado. Então, Thelma viu a arma do homem e gritou: “Moreno, feche a janela!”, no mesmo instante em que segurava a arma do assassino, lutando por eternos segundos até machucar a mão. Ela conseguiu desviar o primeiro tiro, que atravessou o vidro da frente do carro.

O homem, então, se posicionou diagonalmente a Juan, advertindo os demais passageiros com três movimentos da mão que empunhava a arma, indicando que ele não estava ali para matar mais ninguém, que a ordem era clara: matar Juan, tomando cuidado para não ferir os outros. E assim começaram os disparos, que atravessavam o vidro e atingiam o corpo e o rosto daquele homem que nunca empunhou uma arma de fogo. Foram sete disparos. Precisos. Nenhum errou o alvo. Somente o tiro que Thelma, sua amada e confidente esposa, conseguiu desviar com sua força.

Durante o velório de Juan López. Fotografia: Rádio Progresso.

“Acabaram de assassinar Juan!”

Naquele sábado, eu tive uma tarde bastante tranquila, assisti à missa à tarde, acompanhei a primeira comunhão de um afilhado e, em seguida, participei da festa de aniversário organizada com carinho pela filha e pela neta de Mami Lencha. Com seu corpo frágil, ela agradecia por comemorarem seus 90 anos.
Nessas atividades religiosas e festivas, fui acompanhado de um casal muito amigo de Juan. Voltávamos para casa depois das oito da noite, e antes de dormir pedi que, por favor, não fizessem barulho, pois pensava em acordar apenas às sete da manhã. Tinha tido uma semana pesada e queria descansar. Estacionei e desliguei o motor do carro.

Nós três descemos, e eu não havia acabado de tirar minha mochila do carro quando meu acompanhante se aproximou com a mão direita trêmula, “fale, fale”, com uma voz entrecortada e hesitante, me disse sem olhar para mim, mas sim olhando para baixo. Fiquei surpreso com o intenso tremor de seu braço, que segurava o celular. Peguei o aparelho e ouvi a voz desconsolada da minha companheira de equipe Lesly Banegas: “Acabaram de assassinar Juan”. Essas palavras atingiram minha vida como naquela madrugada de 3 de março de 2016, quando Gustavo – Tavito – Cardoza me ligou para dizer que haviam matado Berta Cáceres. E como quando, em 17 de novembro de 1989, me disseram que haviam assassinado meus irmãos jesuítas da UCA de San Salvador. Ou quando, em 9 de dezembro de 1991, me deixaram ir sem anestesia, informando que haviam assassinado Chungo Guerra com um tiro certeiro na cabeça, com quem, dois dias antes, havíamos planejado atividades nacionais em protesto contra os ajustes do neoliberalismo. Ou quando, em 17 de outubro de 1997, à noite, me ligaram para dizer que haviam assassinado Carlos Escaleras. Existem golpes na vida, como diria o poeta, e sempre penso que este será o último, e de repente novos golpes chegam. E mesmo que muitos golpes tenham ocorrido, e mesmo que tenham te ligado dez vezes, vinte vezes, sessenta vezes para te dar a notícia da morte de um amigo, cada golpe é sentido como se fosse o primeiro. Ou talvez mais forte, em cada golpe se concentram, de uma só vez, todos os golpes anteriores.

O mesmo padrão do assassinato de Berta

Juan foi assassinado. A notícia foi dada de forma muito precisa pela jornalista Lesly Banegas, alguns minutos após o fato. Ele foi assassinado como a explosão sutil de um longo processo. Não foi um assassinato repentino. Quando, às oito da noite de 14 de setembro de 2024, o assassino apertou o gatilho para perfurar o corpo de Juan, consumou-se um assassinato que foi sendo construído ao longo do tempo. A semelhança com Berta é impressionante.

Primeiro, e por muito tempo, as pessoas no poder ignoraram Juan. Mesmo sua baixa estatura e sua aparência indígena o colocavam entre aquelas pessoas que, para o mundo com o estereótipo de pessoas altas, brancas, de cabelo liso, não indígenas, com aparência acadêmica, que é própria de uma sociedade racista como a hondurenha, passavam despercebidas. Os meios de comunicação o ignoravam. Juan não existiu para os grandes programas de influência nacional. Seu assassinato abriu os olhos e ouvidos. Até então, perceberam não apenas que ele existia, mas que tinha um reconhecimento imenso nas comunidades e na Igreja de base, a ponto de ser reconhecido como assistente de bispos. Tanto que, na mensagem do Angelus do domingo, 22 de setembro, o Papa Francisco dedicou quase um minuto a ele. Para a sociedade que define o racismo em Honduras, Juan nasceu com seu assassinato. E, sobretudo, para os meios de comunicação de alcance nacional. O que Juan fez como uma formiga, ou como uma aranha tecendo sonhos populares, não resultou em nenhuma entrevista de grande alcance.

Em segundo lugar, a palavra de Juan incomodou os poderes da região do Aguán, particularmente do município de Tocoa, por isso buscaram neutralizá-lo; tentaram cooptá-lo, suborná-lo ou comprá-lo dezenas de vezes. Desde ofertas de grandes quantias de dinheiro, até negociações obscuras entre políticos. Juan se tornou ainda mais incômodo por não ter preço, por ser insubornável.

Em terceiro lugar, como não puderam deixá-lo no anonimato e não conseguiram neutralizá-lo com subornos, o estigmatizaram ao máximo, acusando-o até de assassino, de ser responsável pela instabilidade na região, de promover revoltas e atividades violentas. Juan, o violento, assim foi estigmatizado. Justamente aquele que nunca proferiu um insulto, e muito menos foi conhecido por portar uma arma. A estigmatização cria adjetivos, ambientes, e generaliza uma narrativa de forma que pessoas que viam Juan passar, ou o viam em uma reunião, imediatamente pensavam que ele estava planejando atos violentos.

Em quarto lugar, Juan também foi criminalizado. Acusaram-no de incendiário, de ser membro de organizações ilícitas ou terroristas e até mesmo de assassinato. Ele foi encarcerado, teve que se refugiar para escapar da ordem de captura que foi emitida contra ele, e pelas ameaças de morte que recebeu constantemente ao longo de, pelo menos, os últimos seis anos.

Por último, e finalmente, tiraram sua vida, como culminação de um processo de maldade, premeditação e aproveitamento. Mataram-no porque não o suportavam mais, queriam tirá-lo do meio, já não bastava a prisão, não bastavam as ameaças, nem as estigmatizações. Era necessário assassiná-lo, matá-lo traiçoeiramente. E premeditaram friamente o crime. Desenharam-no minuciosamente, até mesmo a noite apropriada. Sabiam que Juan poderia faltar a qualquer reunião ou cerimônia. Mas o que ele nunca faltaria seria à celebração da Palavra de Deus em sua comunidade, Fabio Ochoa. Isso eles sabiam muito bem. O local simbólico da não violência, a capela católica, foi escolhida por aqueles que planejaram o crime para executá-lo, ou seja, o lugar não violento se tornou o símbolo da violência, e os violentos assassinaram Juan, o não violento, no lugar onde Juan pregava a paz, a justiça e a solidariedade.

Juan defendia os rios San Pedro e Guapinol. Fotografia da web.

A massiva convocação de um velório

O velório e o funeral estavam carregados de sentimentos e pensamentos conflitantes. As 48 horas de cerimônias não foram suficientes para que aquela multidão saísse do seu estupor e da sua raiva. Não houve uma pessoa que conhecesse Juan —que eram centenas— que não chorasse amargamente,
exatamente como se chora por um parente muito próximo, como de fato Juan foi para todas as pessoas que se reuniram, primeiro no centro cultural da paróquia de San Isidro, e depois na funerária. Uma decisão tomada para preservar o corpo do calor ardente que sempre existe, mas ainda mais nesta época, parece que a qualquer momento as chamas vivas sairão da terra, e ainda mais se for no cimento que é cada vez mais abundante nos centros urbanos.

Todas as pessoas choraram. Às vezes, saíam piadas e anedotas com humor, mas quando voltavam ao motivo pelo qual as pessoas se sentiam convocadas a se reunir, a tristeza se transformava em lágrimas. Foi o maior encontro comunitário e popular que vi desde o velório e funeral de Berta Cáceres. Foi uma oportunidade para que os compadres se encontrassem, para que os afilhados conhecessem seus padrinhos e madrinhas que, após o batizado, nunca mais se encontraram, para que os divorciados se reencontrassem após a separação e tivessem que se cumprimentar ou, pelo menos, trocar olhares, para que muitos cumprimentassem ou conhecessem os sacerdotes de Tocoa e da diocese. Eu me reencontrei com centenas de pessoas que não via há pelo menos três décadas.

“Você nos casou há 34 anos”, disse uma senhora com evidentes rugas cobrindo seu rosto. E imediatamente veio outra voz: “E o senhor me casou há 30 anos”. “Você batizou meus filhos há 32 anos, mas veja que eles se casaram com mulheres evangélicas, e eles não voltaram à Igreja Católica”. Foi uma ocasião para a nostalgia, para falar sobre juventude e mobilizações passadas, já com as articulações e pernas mancas por causa da artrite. Como consolo diante do golpe do crime, exaltaram triunfos e lutas passadas que talvez não foram tantas, e falaram de lutas futuras sem apoios presentes. Juntaram-se os sindicalistas de ontem que se transformaram nos pequenos empresários de hoje, em lutadores pela terra que depois se tornaram comerciantes ou mais do que alguns em coiotes, especialistas no transporte de migrantes. Teve de tudo nas 48 horas de dor e velório. Não havia bebida alcoólica nem cartas,
mas sim abundante café e sopa de frango e carne.

Missa de corpo presente de Juan López na Paróquia de San Isidro Labrador de Tocoa, Colón. Fotografia da Radio Progreso.

Um assassinato previsível e evitável

O assassinato de Juan era previsível, mesmo durante os últimos cinco anos ele tentou evitá-lo com várias medidas, algumas aceitas voluntariamente, outras ele teve de aceitar graças à pressão de seus amigos, mas contra sua vontade. Com sua família e outras famílias, ele se deslocou da região, primeiro para evitar a prisão iminente devido a uma ordem de captura emitida pelo tribunal, mas, sobretudo, para se proteger das constantes e insidiosas ameaças de morte que ele e seus companheiros recebiam através de seus celulares e de terceiros. E através de alguns dos comunicadores da mídia da região, que nos últimos cinco anos, pelo menos, têm gritado contra a atividade dos ambientalistas e, particularmente, de Juan López.

Após seu assassinato, muitas pessoas afirmam que esse fim poderia ter sido evitado. E é verdade, não só o Estado foi negligente, especialmente em sua institucionalidade de justiça, que se aliou de forma torpe aos extrativistas, os militares e políticos locais e nacionais, mas também o Ministério Público, a SERNA e o Governo decidiram favorecer aqueles que impõem a lei dos mais fortes para impor a qualquer custo os seus investimentos, contrários ao ambiente, às comunidades e às leis hondurenhas. À negligência e lentidão se une a conivência de altas autoridades, que inclinaram as decisões do Estado a favor de grandes empresários, especialmente do senhor Lenir Pérez e sua esposa Facussé, e dos políticos locais liderados pelo prefeito de Tocoa, Adán Fúnez.

Atingir os nervos fundamentais de um império

Pode ter sido evitado, talvez tenha sido adiado, mas Juan e os seus atingiram os nervos fundamentais dos investimentos e interesses dos verdadeiros proprietários da economia e das decisões fundamentais do país. No Parque Nacional Montaña Botaderos, Carlos Escaleras, área legalmente protegida, foram iniciados investimentos em mineração com total apoio e conivência do Estado por meio da Inversiones Los Pinares e, ao mesmo tempo, da Inversiones Ecotek, com a construção de uma fábrica de peles para processar o óxido de ferro extraído da mina, juntamente com a instalação de uma poderosa usina termoelétrica para atender às demandas de energia da mineração e da fábrica de peles. Tudo isso em conexão com a indústria aeroportuária, principalmente Palmerola, mas com impacto nos outros aeroportos do país, uma usina de energia com sede em Planes, sempre no Aguán. A tudo isso se soma a poderosa indústria de telhados e tudo relacionado à construção sob o nome de Alutech.

Um império montado e consolidado ao longo de apenas duas décadas, e no qual é um segredo aberto que Juan Orlando Hernández e vários de seus círculos de confiança, bem como políticos e vários nomes proeminentes da liderança política, colocaram suas mãos como sócios. Como publicidade, o grupo EMCO vende sua exploração de mineração com o argumento de cumprir todos os padrões de respeito aos direitos humanos, cuidado do meio ambiente e energia sustentável. No entanto, em apenas três anos, a área central do parque nacional Montaña Botaderos, onde nascem os rios Guapinol, San Pedro, Cuaca e Tocoa, se tornou uma área desértica, sem árvores, e deixando, como consequência, as bacias hidrográficas praticamente secas.

A instalação da indústria de mineração trouxe violência e deslocamentos, divisão severa entre os vizinhos, deslocamento de dezenas de famílias, prisão de membros do Comitê Municipal e o assassinato de três membros ativos na defesa do meio ambiente. Nesse pedacinho de território funcionaram os maiores grupos factuais do país em associação com investidores estrangeiros. E nos corredores subterrâneos desses investimentos sentiram-se os passos precisos do narcotráfico, que move tentáculos invisíveis, mas se expressa por meio de poderes visíveis e legais, sem os quais não poderia existir nem alcançar o poder que adquiriu em Honduras. Juan e seu povo enfrentaram esses poderes.

Vista da zona central do Parque Nacional Carlos Escaleras, afetada pela exploração irregular da empresa de mineração Inversiones Los Pinares. Fotografia Radio Progreso.

Operadores de justiça, servidores do império

Durante pelo menos oito anos –2016-2024– os condutores visíveis desses poderes tentaram ignorar Juan e os seus, depois tentaram suborná-los e neutralizá-los. Quando não conseguiram, acionaram a máquina midiática para estigmatizá-los como violentos, inimigos do desenvolvimento, desajustados sociais, enfim, tudo o que fizeram com Berta Cáceres. E passaram a criminalizá-los com ações judiciais. O sistema de justiça –por meio do Ministério Público e do poder judiciário– atuou com diligência a favor dos poderes fáticos. Eles se lançaram como feras contra Juan López e os seus. De outubro de 2018 a fevereiro de 2019, Juan e os membros do Comitê receberam ameaças de morte, e o Ministério Público apresentou exigências fiscais contra Juan López, Reynaldo Domínguez e Leonel George, e outras 28 pessoas das comunidades de Guapinol e do Setor San Pedro. Depois, receberam ordens de prisão e, diante disso, os acusados tiveram que buscar refúgio para evitar a captura. Em fevereiro de 2019, após extensas consultas,
discernimento e deliberações, tomaram uma decisão que estabeleceu um divisor de águas na vida das pessoas diretamente envolvidas e na vida do Comitê. Decidiram se entregar à autoridade competente, sabendo que esse passo poderia significar apodrecer na prisão.

Para muitos, esse passo significava não apenas a prisão, mas também o enterro. Eles foram levados para a prisão de Támara, perto da capital, o que despertou a mobilização das organizações sociais. A mobilização foi poderosa, naqueles tempos em que sair às ruas e pressionar as instituições do Estado estava imediatamente associado ao gás lacrimogêneo e à estratégia de estigmatização da matriz midiática. E naqueles tempos em que as organizações sociais, populares e de direitos humanos não estavam tão cooptadas nem neutralizadas por governo algum, como aconteceria muito poucos anos depois. A mobilização interna se conectou de maneira extraordinária com a solidariedade internacional.

«Guapinol, Guapinol, estamos com você»

O nome Guapinol se universalizou. Antes de 2018, no exterior, ao se falar de Honduras, os estrangeiros que conseguiam localizar o território no mapa-mundi imediatamente pensavam nas ruínas de Copán ou em Roatán, ou talvez pensassem na capital com seu nome estranho, Tegucigalpa. Após as mobilizações nacionais e internacionais exigindo a libertação dos presos políticos, ao se pensar em Honduras, imediatamente se associava a Guapinol, com seu entusiástico lema “Guapinol, Guapinol, estamos com você”. Foi assim que ouvi Julita, a filha mais nova, gritar quando Juan e sua família foram presos.

A pressão nacional e internacional, além da competência da equipe de advogados, conseguiu libertar Juan López e os seus depois de passarem duas semanas na prisão. Mas oito companheiros dessa mesma luta em defesa do rio Guapinol e em total oposição às atividades extrativas da empresa Pinares foram capturados e presos na Tolva, uma das prisões destinadas a presos de alta periculosidade. Após pressões e ações legais impulsionadas pela equipe jurídica, os oito ambientalistas foram transferidos para a prisão de Olanchito, no departamento de Yoro. Privados de liberdade, estiveram desde 31 de agosto de 2019 até 24 de fevereiro de 2022. E teriam permanecido presos por tempo indeterminado – já que essa foi a decisão dos proprietários da empresa Pinares e Ecotek, de onde vinham as ordens aos promotores e juízes da região, ordens normalmente mediadas por “aquela sensação de ternura que o dinheiro produz”, como diz o poeta yoroense Roberto Sosa, se não fosse a pressão liderada pelo Comitê Municipal em Defesa dos Bens Públicos e Comuns de Tocoa, a solidariedade nacional e a solidariedade internacional, juntamente com uma equipe de advogados solidários com capacidades extraordinárias tanto no campo profissional quanto em seu compromisso ético e social com as comunidades vítimas da empresa extrativista Los Pinares e Ecotek

Juan López, criminalizado em 2019 por defender os rios San Pedro e Guapinol. Assassinado cinco anos depois, em 14 de setembro de 2024.

Enfrentar sem fugir

A linha da morte estava traçada. Assim como aconteceu com Berta Cáceres, o padrão de extermínio de ambientalistas foi seguido à risca no caso de Juan López. Como já foi dito, ele passou por um processo que envolveu ignorá-lo, tentar suborná-lo, estigmatizá-lo e criminalizá-lo até assassiná-lo. Juan López
conseguiu se esquivar em várias ocasiões. Sua atividade mais intensa nos últimos cinco anos foi precisamente resistir à morte. E ele fez isso com uma tenacidade impecável enquanto defendia a água de sua comunidade, os direitos ambientais de seu povo no Aguán, celebrava a fé através de seu compromisso inabalável com a defesa da casa comum e reunindo-se com diversas organizações em quase todo o território nacional. Brincavam sobre Juan que ele era como o espírito santo, que se encontrava em todos os lugares onde havia reuniões e atividades em defesa da casa comum, dos direitos humanos e da defesa da terra. Os mais perspicazes nas brincadeiras diziam que, se quisessem ver Juan López, precisavam procurar um lugar on de uma reunião estivesse acontecendo, esperar uma hora, e certamente o veriam. Defender o meio ambiente e proteger seu povo contra as ameaças, até mesmo daqueles que estavam incrustados nas estruturas municipais de seu município Tocoa, foi seu refúgio primordial para se proteger da morte que o cercava, e isso ficou gravado como pedra naquela expressão desprezível, vulgar e infame que lhe enviaram por diversos meios e em múltiplas ocasiões: «andás cargando las tablas» (você está carregando as tábuas).

Três linhas, um tronco comum

Todos os dedos, locais, nacionais e internacionais, apontam três linhas claras de onde deveria ter vindo o pagamento dos assassinos. Três linhas que têm um tronco comum no que genericamente chamamos de crime organizado, ou o empório extrativo com suas diversas ramificações.

Primeira linha
A primeira linha é quando o dedo aponta para o prefeito de Tocoa, Adán Fúnez, com quem Juan López teve discussões, confrontos e desavenças permanentes. Três dias antes de seu assassinato, Juan López, em uma conferência de imprensa, exigiu a renúncia do prefeito e que, se ele não o fizesse, o povo deveria retirá-lo. Algumas semanas antes, ocorreu um incêndio no prédio da prefeitura municipal de Tocoa, no calor dos confrontos entre o edil e o Comitê Municipal liderado por Juan López. Antes desse fato, o Comitê havia realizado uma assembleia municipal para exigir ao Estado a implementação do Decreto 18-2024, que declarava ilegais as atividades de mineração no Parque Nacional Botadero, Carlos Escaleras, assim como declarava todas as reservas em Honduras livres de qualquer tipo de exploração.

A Secretaria de Recursos Naturais, SERNA, insistiu em cumprir sua função, assim como o titular dessa secretaria reteve por cerca de dois meses o texto do Decreto antes que fosse publicado no La Gaceta. O destino estava contra o proprietário de Inversiones Los Pinares e Ecotek, Lenir Pérez. Legalmente, ele tinha tudo perdido. Da mesma forma, ele não conseguiu que o prefeito aprovasse a instalação da usina termelétrica que seria usada para o funcionamento da indústria mineradora, sob a alegação de fornecer eletricidade a várias comunidades vizinhas às instalações do emporio industrial Inversiones Los Pinares. Ao mesmo tempo, em junho de 2024, o Tribunal de Honra do partido Liberdade e Refundação convocou o prefeito de Tocoa, também militante desse partido, assim como foi Juan López, sobre suas ações em um documento público no qual exigia que ele respondesse a várias perguntas sobre seu eventual apoio a Inversiones Los Pinares e não ter aceitado a vontade popular expressa no Cabildo Aberto realizado em Tocoa em 9 de dezembro de 2023, no qual se votou maciçamente contra a instalação da usina termelétrica. E muitas outras perguntas sobre a dúvida em sua atuação política como membro do LIBRE.

O prefeito Adán Fúnez não respondeu a essa convocação. Nos dias seguintes ao incêndio do prédio da municipalidade, um vídeo datado de 2013 foi divulgado, no qual o prefeito de Tocoa aparece como intermediário entre líderes reconhecidos do narcotráfico para receber dinheiro para a campanha política do Libre, que tinha como candidata Xiomara Castro Sarmiento, tendo o ex-presidente Manuel Zelaya como o verdadeiro artífice e construtor da campanha. O destino legal contra o edil de Tocoa estava selado. Vingar-se de Juan López, que lhe estragou a vida, expôs suas ações como bandido, protetor de criminosos e sócio dos empresários mineradores, deveria ser algo muito próprio de quem se considera membro proprietário do município. Um laranja do crime e disfarce de uma multidão de atos ilícitos merece que o dedo acusador o aponte como um candidato pagador de assassinos para eliminar Juan López.

Segunda linha

A segunda linha que o dedo acusador aponta é a de Lenir Pérez e seus mais próximos e públicos sócios de Inversiones Los Pinares e Ecotek. Desta fonte procedem a maior parte das ameaças, estigmatizações, campanhas midiáticas de difamação, denúncias e acusações contra Juan López e seus apoiadores. É desse núcleo empresarial que emanaram as decisões que no Ministério Público se transformaram em requerimentos fiscais e no Poder Judiciário se converteram em ordens de captura, encarceramento, condenações e sentenças para os ambientalistas liderados por Juan López.

Tratando-se de um assassinato como consequência da incansável missão de Juan López em defesa dos rios Guapinol, San Pedro e Tocoa, da denúncia nacional e internacional contra Inversiones Los Pinares e Ecotek, de ter liderado a luta para interromper com sucesso a instalação da usina termelétrica poluidora e de ter conseguido que a pressão ambientalista culminasse com a aprovação do Decreto 18-2024 que proíbe toda exploração ao longo do Parque Nacional Montanha de Botaderos, Carlos Escalera, assim como as sanções e exigências para aqueles que causaram danos à área, é evidente que Lenir Pérez e seus sócios próximos se tornam suspeitos do assassinato de Juan López.

Terceira linha

A terceira linha com o dedo acusador é a dos militares e seus previsíveis vínculos com a criminalidade organizada, especialmente o narcotráfico. Por fontes de alta credibilidade, sabe-se que desde seus primórdios a exploração mineral teve muita proximidade com iniciativas associadas ao grupo dos “Cachiros”, tanto que o próprio Adán Fúnez, em assembleia com as comunidades de Guapinol e do Setor San Pedro, reconheceu que aqueles investimentos provinham das benesses de Javier Rivera Maradiaga. De repente, e como por arte de mágica, apareceram Lenir Pérez e Ana Facussé como os investidores proprietários de Inversiones Los Pinares. E é de conhecimento público que os militares, através de oficiais reconhecidos, têm desplegado fortes contingentes de efetivos do exército para dar proteção aos
investimentos, e contam que ao menos com uma cota de financiamento de Lenir Pérez, ou seja, uma alta quantidade de membros das Forças Armadas passaram a cumprir funções privadas de segurança. Tudo com a aprovação do alto comando das Forças Armadas e do governo que na época era presidido por Juan Orlando Hernández, de quem se diz que não apenas conhecia o papel do exército ao serviço da segurança e inteligência de Inversiones Los Pinares e Ecotek, mas que passou a ser sócio investidor dessa empresa. Desta forma, nesta empresa extrativa, teriam se entrelaçado cúpulas políticas, investidores privados, altos mandos militares e o narcotráfico. Este núcleo de poder é o que estaria na raiz para colocar em marcha o padrão de impunidade que acabaria no assassinato de Juan López.

Para construir uma história de múltiplas cores

Dizem que o Aguán pode ser resumido na história verde, marrom, branca e vermelha. Verde porque, em tudo o que ocorreu no Aguán contra os camponeses e os habitantes, esteve presente a militarização. A cor marrom da terra fértil do Aguán foi o fator da violência conduzida pelos militares, pelo menos desde a década de setenta do século passado até os dias de hoje. Diziam naqueles anos difíceis de luta agrária que quem controlava e possuía a terra tinha o poder. E sempre foi assim, embora no presente século o poder da terra tenha se unido ao controle territorial conduzido pelos poderes que se movem nos corredores subterrâneos da criminalidade organizada. Em toda a presença militar houve derramamento de sangue. No conflito mineral e ambiental, a cor marrom da terra foi um fator para seu controle por parte do empório Emco, não para cultivar e produzir a terra, mas para buscar a riqueza subterrânea que existe nela.

Os militares foram salvaguardas de quem controlou a terra, e eles mesmos — os altos oficiais — se tornaram o núcleo de latifundiários proprietários. Não apenas protegeram a terra, mas também se apropriaram dela. Em 1989, um grupo de camponeses tomou uma terra na margem esquerda do rio Aguán, fundamentados no direito que tinham de trabalhar em terras de reforma agrária. O coronel do batalhão os convocou para uma reunião e, em cinco minutos, os advertiu que, se não desocupassem aquele chão/terreno, todos seriam encarcerados. Abatidos pelo medo, os camponeses abandonaram a terra. Muito em breve, soube-se que o coronel passou a ser o proprietário da mesma.

Com o tempo, a cor branca passou a dar uma nova e tétrica identidade ao vale do Aguán. O vale se tornou a rota principal de passagem da droga que da Moskitia cruzava o imponente vale do Aguán, seguindo seu caminho pelos vales de Lean, cruzando o poderoso vale de Sula e continuando até a fronteira com a Guatemala. Esta cor branca da droga foi resguardada desde o início pelos militares. Eles abriram o corredor hondurenho para que a droga da América do Sul tivesse em território hondurenho seu ponto estratégico de controle em sua passagem para os Estados Unidos. A cor branca da droga esteve desde sempre associada à cor verde oliva militar. Enquanto isso, o Vale do Aguán, com sua luta camponesa e popular, se tingiu de vermelho com o sangue dos defensores da terra, lutadores de suas organizações populares e camponeses, e posteriormente defensores dos rios e de seus territórios ameaçados. O verde e o vermelho do sangue camponês e popular têm manchado as cores marrons da terra e brancas da droga, como expressão macabra da atividade verde oliva dos militares que salvaguardam os interesses de latifundiários, pecuaristas, comerciantes, políticos e narcotraficantes.

Caminhada em memória de Juan López, reconhecido como defensor dos bens comuns e mártir da igreja.

O Estado conivente e em total conluio

O Estado sempre esteve presente no Aguán enquanto perseguia e criminalizava Juan López e os membros do Comitê Municipal. Esteve ativamente presente a favor da empresa Inversiones Los Pinares e Ecotek e em conluio direto com o prefeito Adán Fúnez. Durante a gestão de Juan Orlando, ele mostrou-se totalmente conivente, cúmplice e parceiro de negócios. Sempre estiveram presentes os políticos e funcionários de alto nível, como é o caso da Secretaria de Governo, que não moveu um dedo para agir de ofício diante das denúncias sobre o comportamento do prefeito de Tocoa. E os militares estiveram sempre lá. Ao mesmo tempo, o Estado esteve ativamente presente contra Juan López e o povo. Os defensores dos rios Guapinol, San Pedro, Cuaca e Tocoa estiveram sob ataque direto, perseguidos e criminalizados pela promotoria e pelo poder judiciário. Além disso, durante a administração do LIBRE, o Estado esteve ativamente presente, mas tentando se manter oculto. O mesmo aconteceu na época de Juan Orlando Hernández, mas com aparente discrição, ou seja, hipocritamente.

LIBRE, Pilatos no Aguán

Adán Fúnez sempre foi ratificado pelo LIBRE, e seus porta-vozes sempre apoiaram sua atuação. Nem mesmo quando, em junho de 2024, o Tribunal de Honra o questionou, o partido no poder deixou de respaldá-lo. Nem mesmo quando o vídeo do narcotraficante apareceu houve uma postura firme por parte das cúpulas dirigentes do partido no governo. É verdade que o Congresso Nacional aprovou o Decreto 18-2024 para proteger o Parque Nacional Montanha Botaderos, Carlos Escaleras, mas a SERNA não agiu de acordo com o que o Decreto exigia: cancelar definitivamente as operações e apresentar ações contra a empresa para ressarcir os danos causados ao ecossistema da região e às comunidades diretamente afetadas. Também não foi definido um plano para restaurar progressivamente a área núcleo destruída do parque nacional. O Estado esteve presente com a mesma intensidade de antes do atual governo, mas com uma linguagem de protetor do ambiente e sem oferecer proteção aos ambientalistas. Uma presença covardemente ativa em relação aos ambientalistas. Isso leva a precisar que o Estado teve uma dose forte de responsabilidade no assassinato de Juan López. A demanda ao Estado por esse crime deve ser uma das ações das organizações ambientalistas para preservar a memória deste ilustre defensor da casa comum. O partido LIBRE o deixou sozinho. Após sua morte, o reivindica, mas nas estruturas de liderança do partido, o protegido sempre foi o prefeito. Hoje, como convém, lava as mãos: mas nada apaga a mancha de desproteção que deu a um militante fiel, mais incômodo por seus constantes questionamentos.

«Juan, o menino de La Coroza»

Conheci o Juan em 1990. Eu fazia parte da equipe pastoral da paróquia San Isidro Labrador, em Tocoa, Colón, quando a extensão territorial da paróquia cobria o município de Tocoa, o município de Bonito Oriental e uma parte do município de Trujillo, na margem esquerda do rio Aguán. Eu era responsável pelas visitas pastorais a Bonito Oriental. Gostava quando, no calendário de visitas, estavam o corredor do Achiote, a Mona e a Coroza, na bela cordilheira de La Esperanza. Essas comunidades ficavam a poucos quilômetros da linha divisória com o departamento de Olancho. Eu gostava de ir à Coroza, uma comunidade pequena formada por famílias camponesas, em sua maioria originárias de Copán, na linha de fronteira com a Guatemala. Eram Chortíes; não se sabia ao certo se eram da Guatemala ou se tinham nascido em Honduras. Eles guardavam sua origem como um tesouro. Apenas diziam que eram de Copán Ruínas, mas uma vez ouvi que poderiam ser de Jocotán ou Camotán, já em território guatemalteco, justo onde as tropas de Castillo Armas se organizaram para avançar em direção à capital guatemalteca; capital onde liderariam, por ordem da United Fruit Company, o golpe de Estado em 1954 ao governo progressista presidido por Jacobo Arbenz.

Na sua maioria, eram pessoas baixas, reservadas, que diziam apenas o que queriam dizer, mas se comunicavam com expressões corporais. Eu adorava ir à Coroza porque, ainda naqueles anos de meus trinta e poucos, percorria um caminho pulando pedras por 17 travessias daquela linda quebrada que descia da montanha, deixando seu rumor que se misturava misteriosamente com o silêncio barulhento da floresta quase virgem de cedros, louros e mogno. Pular pelas pedras era uma das minhas maiores diversões naqueles tempos iniciais de missão. Meu desejo era sair invicto dos saltos nas 17 travessias. Poucas vezes consegui, e embora as quedas fossem estrondosas, nunca tive uma única fratura naqueles tempos de ossos duros e robustos , como nunca mais teria no restante dos meus anos. Eu me divertia muito porque sempre era acompanhado por jovens que se juntavam a mim na aldeia anterior às 17 travessias. A aldeia se chamava Las Palmas e estava formada por cerca de 60 famílias, todas elas chortíes. Lá consegui coletar o testemunho de que todas elas nasceram além da fronteira de Honduras, na aldeia guatemalteca de Camotán e arredores. Eu as chamava de cimarronas, essas famílias indígenas que não revelavam muito, desconfiadas, com mentalidade conservadora. Não era para menos. Vinham de ambientes repressivos de meados do século XX, sob o domínio implacável do exército guatemalteco, submetidos a uma feroz propaganda anticomunista. Sem possibilidades de reproduzir sua vida em uma terra árida e ao mesmo tempo dominada por proprietários de terras, cruzaram a fronteira e passaram um tempo vivendo no município de Copán Ruínas.

Após alguns anos sem que o trabalho lhes rendesse, ouviram sobre os milagres da reforma agrária no Aguán e prosseguiram seu êxodo. Algumas famílias se estabeleceram no vale, formando a comunidade de Las Palmas, e outras abriram caminho montanha acima e se instalaram à beira da linda quebrada La Coroza, perto de sua nascente, e decidiram se chamar “La Coroza”. Um de seus fundadores foi o avô de Juan López. Mas o avô de Juan, com uma fé inabalável, sabia ouvir a brisa e discernir para onde sopravam os ventos. Assim, ele ouviu a Igreja e conseguiu romper a desconfiança para se abrir aos ventos enovadores da Igreja dos pobres. Juan assim o recebeu desde a infância. E ele era uma das crianças que me esperava na comunidade de Las Palmas para então pegar o caminho montanha acima, contra a correnteza da quebrada. Pulava comigo sobre as pedras com a destreza que nunca consegui alcançar.

Carlos Escaleras, ambientalista assassinado em 1997, foi um exemplo a ser
seguido por Juan López

Os jogos sujos de Las Palmas

Eu gostava de passar por Las Palmas, não porque as famílias fossem religiosamente ativas. Na verdade, elas eram mais bem reservadas, iam à missa e só. Evitavam falar, especialmente as mulheres. Essa ideia de se organizarem em conselhos, grupos juvenis ou em organizações de mulheres não despertava nem o meu menor entusiasmo nelas. Quando ouviam falar de organização ou comunidades de base, se trancavam em casa ou no trabalho. A propaganda anticomunista que receberam, ou seus pais a eceberam, a meio do século, não lhes dizia respeito. Mas não faltava humor e diversão entre os jovens, e era isso que eu gostava da comunidade, por isso passava e me detinha ali. Como era óbvio, não havia energia elétrica, a casa de oração era de bahareque e se iluminavam com ocotes, candeeiros e velas. Mas a luz era interna e nada se podia ver do lado de fora. As mulheres, como de costume, vestiam o melhor de seus vestidos para ir à celebração religiosa. Os jovens ficavam jogando nas redondezas da casa de oração. Uns chamando as garotas com cantadas, outros mais atrevidos convidando suas namoradas para escaparem com eles.

Os mais terríveis tinham um jogo literalmente sujo. Faziam a construção de “bahareque” e, estando na escuridão, só eles podiam ver para dentro. Buscavam um bastão longo, muito longo, enfiavam pelas frestas da casa de oração e tocavam o vestido das garotas. Era um jogo repugnante porque os meninos pegavam o bastão que cortavam, embebiam a ponta com fezes que recolhiam do mato, onde as pessoas iam fazer suas necessidades devido à falta de banheiros, e esfregavam na roupa das meninas. O conselho decidiu afastar os bancos das paredes, mas os meninos resolveram o jogo com bastões mais longos. Depois, cobriram as paredes com plástico, mas os meninos rompiam facilmente. Colocaram vigilantes, mas as invenções juvenis daquela região conheciam todos os truques, porque até alguns dos vigilantes se divertiam com o jogo sujo. Finalmente, o conselho decidiu mudar as celebrações para às três da tarde.

Juan era então um menino pré-adolescente. Tímido e introspectivo como todo adolescente, mas ele ainda mais por seu traço identitário chortí. Uma vez que eu passava pelas 17 travessias daquela linda e barulhenta quebrada, chegava à Coroza. Me recebiam com uma xícara de café na casinha de Juan, sem faltar o prato com ovo, feijão e tortillas. E nada mais. Eu sempre chegava pela manhã, por volta das 9 da manhã. Realizava as atividades próprias de uma visita pastoral: visita a doentes, reunião com o conselho eclesial local, onde me informava sobre as novidades ocorridas nos dois meses entre uma visita e outra. A última conversa era sobre sacramentos, no caso de haver batismos, e, antes de celebrar a missa, eu me reunia com o grupo juvenil.

Embora fosse pré-adolescente, Juan participava daquela reunião. Uma comunidade pobre, tão pobre que provavelmente minha visita era a única oportunidade em que podiam ver que matavam uma galinha. As que havia eram cuidadas para serem vendidas ou para que pudessem chocar e ter uma safra de pintinhos. Juan era um dos poucos meninos que falava, e sempre me chamou a atenção. Quando em minha visita me acompanhava a Irmã Maria — a religiosa espanhola das Filhas da Caridade que chegou a Honduras para ficar até sua morte em abril de 2006 —, ela coordenava a reunião juvenil, e quando oltávamos — eu pulando pedras e ela em mula — sempre me dizia: “esse menino vale o que pesa, se o cultivarmos, será um grande homem comprometido”. Eu ficava em silêncio, mas guardava aquelas palavras.

A Coroza arrasada

Em uma das minhas últimas visitas a La Coroza, conversei cara a cara com Juan: “E se você vier para Tocoa estudar? Irmã Maria e eu vamos te apoiar.” Como sempre, Juan baixou a cabeça. Ele assentiu meio que em silêncio. No meu retorno, conversei com a Irmã Maria e pedi que encorajasse Juan a vir para Tocoa estudar. No dia 31 de outubro de 1993, ocorreu a tragédia devido a uma das muitas tempestades tropicais que atingem a costa atlântica hondurenha, e a comunidade de La Coroza foi arrasada. Desapareceu para sempre. Várias pessoas ficaram soterradas, mas a família de Juan se salvou e teve que emigrar para comunidades vizinhas. Depois, a família se mudou para Tocoa, onde Juan começou seus estudos, primeiro nas escolas radiofônicas e depois na formalidade do sistema educacional.

Juan, paradigma de uma nova liderança

Eu saí de Tocoa em janeiro de 1997 e não encontrei Juan novamente até o início do século, quando ele já era pedagogo, morava na colônia Fabio Ochoa e trabalhava na pastoral da paróquia San Isidro Labrador de Tocoa. Ele teve todos os anos deste século para se destacar, tornando-se um modelo de uma nova liderança que soube unir exemplarmente a fé com a justiça, a luta social com a luta política, a defesa dos direitos humanos com a luta por cuidar dos direitos da casa comum. E ele fez isso com sua vida, seutrabalho cotidiano, sua proximidade com sua esposa e suas duas filhas, com seu testemunho de vida como leigo comprometido, com sua palavra dita com simplicidade e clareza, com sua palavra escrita, caminhando de baixo, como um autêntico intelectual que nunca se separou de suas origens.

Fim do novenário pelo assassinato de Juan López em Tocoa, Colón. Fotografia Rádio Progresso

“Para um cristão, nenhum caminho está vedado”. A Juan, sim, lhe vedaram um caminho»

A última vez que o vi e o ouvi foi no dia 7 de setembro, no sábado anterior ao seu assassinato, em um encontro eclesial nacional sobre a ecologia integral. Ouvi quando ele disse que, para um cristão, nenhum caminho estava vedado para promover a justiça, a dignidade e a defesa da casa comum. Nenhum
caminho. Assim ele disse com força. E entendi que ele falava a toda a gente da Igreja que estava reunida naquele recinto, incluindo vários presbíteros e dois bispos. E entendi que ele me dizia isso, porque sabia que eu não estava certo da conveniência de sua participação como candidato a prefeito de Tocoa.

Ele sabia que falava para mim porque cinco anos atrás – em 2019 – nos reuniu, seus amigos mais próximos, para nos contar de sua intenção de se lançar na candidatura à prefeitura de Tocoa – onde acabou como vereador. Então, eu disse a ele que não estava de acordo, não porque o campo da luta por cargos públicos não fosse valioso, mas porque ele enfrentaria poderes tão grandes na região, e com tão pouca compensação, que nessas condições não só não conseguiria vencê-los, nem mesmo com a força que pudesse reunir com apoio popular, mas que sua vida iria “como um cordeiro ao matadouro”. Juan – eu disse, elevando minha voz – eles vão te matar. Nesse caminho, nem os mineradores, nem os latifundiários, nem os comerciantes, nem os políticos vão te deixar avançar. Nem mesmo seu próprio partido.

“Nenhum caminho está vedado”, disse ele, e senti que suas palavras eram para ressoar em mim. Nos cruzamos os olhares, e ambos baixamos a cabeça. Foi quando lembrei das minhas palavras de 2019. E disse a mim mesmo que naquele momento também não era conveniente sua participação na campanha eleitoral que já estava em andamento naquele mesmo mês de setembro. As feras estavam soltas, revoltas e feridas. E eram mais perigosas do que nunca. Eu sabia que, nesta ocasião, ele poderia ganhar os votos para ser o prefeito de Tocoa nas eleições no final de novembro de 2025. Tinha muitos adversários, specialmente o prefeito de Tocoa, de seu próprio partido. Não era um adversário. Era seu inimigo, com um poder ramificado entre todas as forças de poder públicas e subterrâneas. E nas eleições internas, esse prefeito, Adán Fúnez, buscaria destruí-lo de qualquer maneira. Não só ele. Ele representava muitas forças mobilizadoras de destruição e morte.

Ninguém com o poder que perversamente invade o Aguán permitiria que Juan López, um homem pobre, indígena, de base e com a palavra firme e serena para implantar suavemente e exigentemente a verdade das comunidades, ganhasse a partida. Era uma questão de poder. Mas era uma questão de honra. Não poderiam permitir que “um igualado” ocupasse o lugar que apenas seus escolhidos poderiam ocupar. Era uma questão política e econômica, uma questão de luta de classe. Uma questão racista e discriminatória.

Então voltei meu olhar sobre ele. Juan já tinha seus olhos ocupados em seu computador. Escrevia e escrevia. E em silêncio repeti para mim mesmo o que em voz alta eu disse em 2019: Juan, eles vão te matar. Isso foi no sábado, 7 de setembro, em San Pedro Sula. A vida seguiu com suas ocupações. Até o sábado, 14 de setembro, às 20h15, quando meu amigo me passou o celular tremendo e ouvi do outro lado: “mataram Juan”.

Assim vai a vida, e assim temos de escrever crônicas de sangues que se derramam por um amor maior do que salvar a si mesmo. Esse amor pelo qual assassinaram Juan López. Esse amor pelo qual ele quis dar sua vida para que nós vivêssemos seguindo suas generosas pegadas tingidas de sangue inocente.